Por Camila Barros, publicado em 9 set 2022 em https://vocesa.abril.com.br/.
Alexandre Frankel já atuava no mercado imobiliário há quase 10 anos. Em 2009, ele fundou a Vitacon, uma incorporadora especializada em apartamentos compactos.
Boa parte de seus clientes eram investidores pessoa física que compravam um ou dois imóveis para fazer renda extra com aluguel.
Alexandre e seus sócios começaram a perceber que a entrega dos imóveis rendia mais dor de cabeça aos proprietários do que eles previam: para tornar o imóvel rentável, precisavam correr atrás de reforma, mobília e, claro, encontrar algum inquilino.
Nisso, os sócios enxergaram uma possibilidade de negócio: ajudar esses pequenos investidores imobiliários a ter resultados mais rápidos.
A oportunidade estava ali, faltava achar o que fazer com ela. Alexandre foi procurar em alguns cantos do mundo – viajou para Ásia, Europa e Estados Unidos examinando empresas de administração de propriedade já consolidadas.
E voltou de mãos vazias. Por lá, apesar de o modelo de imóveis feitos para locação ser bastante comum, o negócio costuma ser tocado por grandes empresas do setor imobiliário, que possuem milhares de imóveis.
A cultura de comprar dois ou três apartamentos para investir, ele concluiu, seria um jeito de tapar as veias abertas da América Latina com fita crepe – uma forma que os latinos encontraram para tentar proteger o patrimônio da inflação e evitar eventuais confiscos.
O jeito foi criar um modelo de negócios do zero. Começou como um braço de atendimento dentro da própria Vitacon. Mas logo eles perceberam que aquela criatura poderia se tornar maior do que a criadora, e decidiram separar os dois negócios.
Como pontapé inicial, receberam um aporte de R$ 50 milhões da Redpoint, empresa de capital de risco da Califórnia. Desse investimento nasceu a Housi, em 2019.
A startup atua no ramo das proptechs: startups imobiliárias que usam tecnologia para otimizar a negociação e a gestão de imóveis, como a Loft e o QuintoAndar.
O setor segue em ascensão: segundo um estudo da Terracotta Ventures, empresa que investe em startups do mercado imobiliário, são 955 startups atuando nesse setor em 2022 – avanço de 13,82% em relação a 2021. Em um ano, foram 67 rodadas de investimento, que movimentaram R$ 5,83 bilhões.
O que a Housi faz:
A Housi chama o serviço que presta de casa por assinatura. Na prática, o que ela faz é administrar os imóveis de proprietários com foco em rentabilizar as propriedades.
O trabalho pode começar já na entrega do apartamento. O “Housi Decor” cuida da reforma e decoração do apartamento para deixar o espaço com a identidade visual da companhia, caso seja necessário.
É que, para entrar na plataforma com o selo da Housi, os apartamentos devem seguir certos parâmetros estéticos – serem modernos e “clean”, ou seja, neutros o suficiente para agradar todos os gostos.
Ao contratar o Housi Decor, a ideia é que o proprietário não se preocupe com os elementos da obra: pedreiro, arquiteto, eletricista – fica tudo sob responsabilidade da empresa.
A partir daí, o imóvel é anunciado na plataforma da Housi e nos sites de empresas parceiras, como Airbnb, Booking.com e Zap.
Quando o apartamento é alugado, o contato do locatário é sempre com a Housi, não com o proprietário.
No fim do mês, a empresa repassa o valor do aluguel ao dono do imóvel, menos a taxa de administração.
Para atrair inquilinos, a Housi vende praticidade como diferencial. Os apartamentos já vêm com tudo pra morar (tudo mesmo – é só chegar, tipo quarto de hotel).
Além disso, o processo de locação funciona mais como reserva de Airbnb (extremamente simples) do que como um aluguel tradicional, e todas as contas (luz, gás, água, internet, TV a cabo etc.) vêm embutidas em um boleto só, que eles chamam de “pacote Housi”.
Mudança de rota
No começo, a empresa trabalhava numa lógica de Airbnb mesmo, alugando os imóveis por períodos curtíssimos, principalmente para turistas.
Com menos de um ano de empresa, porém, chegou a pandemia. Aí veio o caldo: sem viajantes pegando a estrada, a fonte de receita praticamente secou.
O próprio Airbnb, na época, precisou rever o seu modelo de negócios para dar atenção a aluguéis de períodos mais longos, surfando na onda dos nômades digitais. A Housi fez o mesmo. Eles surgiram com o termo “moradia flexível” – fique o quanto quiser, seja um dia, seja um ano.
Em estadias mais curtas, o aluguel na Housi equivale aos do Airbnb. Para períodos mais longos, a coisa muda de figura. Fizemos uma pesquisa aqui:
Para uma estadia de 6 noites no início de setembro,um studio de 21 m² administrado pela Housi na Vila Mariana saía por R$ 1.671. No Airbnb, um loft equivalente (de 25 m² no mesmo bairro e pelos mesmos dias) ficava por R$ 1.795. Preços próximos para serviços equivalentes.
Para 3 meses, os preços seguem similares. A Housi cobra R$ 4.712,59 por mês, ou cerca de R$ 157 por noite – o valor engloba condomínio, IPTU, limpeza mensal e todas as contas.
o total, os 3 meses saem por cerca de R$ 14.138. No Airbnb, aquele loft de 25 m² ficaria por R$ 5.003 ao mês, ou R$ 166 por noite. Ao fim de 3 meses, você teria desembolsado R$ 15.113.
Beleza. Agora, se a ideia é passar um ano no apartamento, a diferença fica considerável. O apartamento da Housi sai por R$ 56.551 (R$ 4.712/mês), enquanto o equivalente do Airbnb cobra R$ 74.949 (R$ 6.245/mês).
Esses R$ 4.712 são um valor para o mercado de aluguéis. No dia em que fizemos a pesquisa, o Quinto Andar cobrava menos (R$ 4.389) por um apartamento maior (33 m²) no mesmo bairro.
A diferença é o fator hotel, já que os apartamentos do sistema de “assinatura” da Housi vêm prontos para morar, com mobília, wi-fi, roupa de cama.
Softwares integrados
A consolidação do modelo de negócios veio depois da mudança de público-alvo, quando uma incorporadora de Porto Alegre propôs uma parceria.
A ideia era usar a marca da Housi para atrair compradores de um prédio em lançamento, com a promessa de que a startup deixaria os apartamentos prontinhos para locação. A Housi, então, administraria toda aquela unidade, sem efetivamente possuir nenhum dos apartamentos.
Deu tão certo que a startup passou a replicar o modelo com outras incorporadoras. Até então atuando basicamente em São Paulo, a Housi acelerou seu crescimento para 120 cidades. E o número de apartamentos contratados se aproxima de 100 mil.
Para este ano, a estimativa é que o faturamento supere R$ 100 milhões.
Além da administração dos apartamentos, a Housi passou a se preocupar com a integração dos serviços do prédio. No aplicativo da empresa, o morador tem acesso a serviços de empresas parceiras, como carro por assinatura, recarga de carro elétrico, lavanderia e delivery.
A Housi fica com uma taxa de tudo que é gerado de receita dentro do prédio. Hoje, a empresa administra 400 edifícios.
Alexandre chama-os de “prédios inteligentes”, e explica o conceito com uma analogia: “A incorporadora cria o hardware, constrói o ‘computador’ em si. A gente se associa a ela já na construção do produto e chega com o sistema operacional – o Windows daquele computador. Aí nós permitimos que o usuário final tenha um monte de softwares dentro daquele computador, que são os provedores de serviço”.
O objetivo agora é expandir o negócio para outros países. E, quem sabe, reinventar todo o mercado imobiliário ao longo do caminho.
“A gente sonha com a ‘moradia a custo zero’, em que a casa é fornecida ao morador e o que vale são as outras linhas de consumo que a pessoa faz lá dentro.” Parece pouco realista – haja consumo para bancar um teto.
Mas o fato é que boa parte do que chamamos de realidade hoje já foi sonho um dia.
Leia a matéria original em: https://vocesa.abril.com.br/empreendedorismo/conheca-a-housi-startup-de-casas-por-assinatura/